Dois filmes, uma história


Ontem assisti O Último Tango em Paris (Ultimo Tango a Parigi; francês de 1972, dirigido por Bernardo Bertolucci e estrelado por Marlon Brando e Maria Schneider). O filme parece ter 4h, tudo é extremamente cansativo, não chega a ser pesado, é cansativo mesmo. Como se fosse um filme feito prá ser poético mas que fica o tempo todo atingir uma poesia que nunca chega, e você espera junto, torce junto, deseja junto com Bertolucci que aquilo seja belo. A cena de Brando velando a esposa morta é bonita. Schneider e Brando são excelentes atores, comoventes. A cena da dança mortífera de ambos no concurso de tango é primorosa.
Tinha ouvido falar, lido sobre o filme. Talvez demorei demais prá ver. Estou tentando achar algo que justifique tudo que eu sabia dele, mas não acho. O encarte do DVD diz: "exalando uma energia sexual como nenhum outro filme antes ou depois dele". Não senti isso. De sexual o filme não me diz quase nada, não quero ser indelicada. Talvez em 1972, quando nem nascida eu era... mas arte é eterna, não diz nada. O filme, que pelo que sei tem a ver com um desejo de Bertolucci de trepar com uma desconhecida que viu não sei aonde, é uma tremenda fantasia masculina. Um homem com uma próstata maior do que uma bola de tênis (Brando diz mais ou menos isso no filme), copula com o vazio munido de dor intensa de uma mulher linda e jovem. E quando acaba o delírio histérico da jovem linda, acredita, de fato, que aquilo possa ser real, e começar novamente. Me parece o típico conto de fadas masculino dos anos 70, do qual alguns homens se nutrem diariamente ainda, todos os dias...
A história de Maria Schneider (Paris, 27 de março de 1952 - Paris, 3 de fevereiro de 2011) sim, é algo que realmente faz sentido nesse filme: “Se eu pudesse voltar no tempo, teria dito não. Teria feito meu trabalho gradualmente, discretamente. Eu teria sido uma atriz, mas de maneira mais tranqüila".
Ela diz isso em uma entrevista concedida para um jornal inglês chamado Telegraph. Segue a impressão do jornalista:
“Aos 54 anos, ela tem o mesmo rosto de menina e brilhantes horas negros, os mesmos lábios rosados e macios e mesmos os cachos de cabelo castanho. Mas Schneider tem as rugas e a pele de uma fumante inveterada. Sua camisa branca masculina está abotoada até o pescoço e as mangas longas cobrem seus pulsos. Eu não posso evitar o pensamento de que ela esconde as cicatrizes de seus anos como drogada”, escreve o jornalista do “Telegraph”.

Maria morreu culpada. Como se sua nudez, seu corpo, sua sexualidade e sua feminilidade estivessem maculadas pelo lobo mau Bertolucci e papai Brando para todo sempre.
Penso que olhar sua nudez no filme tenha sido penoso com os anos, pois Maria aparece em nú frontal o tempo todo, linda, com belíssimos seios e abundantes pelos pubianos. Enquanto Brando consegue fazer sexo anal com a moça sem sequer afrouxar a calça. É um malabarista do pau no zíper. E só mostra a bundinha da cena do tango, de forma irônica, pois somente o corpo jovem e feminino de Maria pode ser sensual e desejável. Brando é prá se rir, ou chorar... Bertolucci, com toda sua virilidade-arte nem desconfia que o belo pau do lobo mau, que fazia Maria "tão feliz", também gostaria de ser olhado e maculado prá sempre.

Filme que me causou verdadeiro impacto, Cisne Negro (Black Swan, 201, sob a direção de Darren Aronofsky, com Natalie Portman e Vincent Cassel), revela os caminhos tortuosos da construção do feminino, contrastando a falta de delicadeza (que é belíssima) de Aronofsky, com a docilidade dramática do ballee a beleza de Portman.  

Lago dos Cisnes  é um balé dramático em quatro atos do compositor russo Tchaikovsky:
Ato I: O Príncipe Siegfried enfeitiçado pela beleza dos Cisnes Brancos, caçá-los.
Ato II: O lago do bosque e as suas margens pertencem ao reino do mago Rothbart, que domina a princesa Odette e todo o seu séquito sob a forma de uma ave de rapina. Rothbart transformou Odette e as suas donzelas em cisnes, e só à noite lhes permite recuperarem a aparência humana. A princesa só poderá ser libertada por um homem que ame apenas ela. Siegfried louco de paixão pela princesa das cisnes, jura que será ele a quebrar o feitiço do mago.
Ato III: Na corte da Rainha aparece  Odile a feiticeira Odile. A dança com o cisne negro decide a sorte do principe e da sua amada Odette: enfeitiçado por Odile, Siegfried proclama que escolheu Odile como sua bela futura esposa, quebrando assim o juramento feito a Odette.
Ato IV:  Siegfried explica a donzela como o mago Rothbart e a feiticeira Odile o enganaram. Odette perdoa o príncipe e os dois renovam os votos de amor um pelo o outro. O mago Rothbart, impotente contra esse amor, decide se vingar dos dois e então inunda as margens do lago, Odette e as suas donzelas logo se transformam em cisnes novamente e o príncipe Siegfried tomado pelo desespero se afoga nas profundas e turbulentas águas do lago dos cisnes. O príncipe não sobrevive. É a morte de amor.

Incapaz de aceitar que o tornar-se mulher depende de um certo caminho entre a pureza e a escuridão dos desejos, Maria não consegue transitar e Nina se aprisiona prá sempre. Não existem canalhas nem culpados. Thomas, Bernardo e Marlon são apenas homens necessários. A vitimização é uma forma de aceitar a culpa por ser mulher. É a morte do amor de verdade.

Cisne Negro é um filme lindo, com uma espetacular visão da feminilidade feita por um homem, interessante homem. O último tango... é um filme triste, sem arte, sufocado pelo próprio tempo. Bertolucci e sua fantasia, esqueceu-se da beleza que existe no sexo. Quanto a cena da manteiga... queria ver é sem manteiga, aí sim coisa de macho, no seco, como no filme da Bruna Surfistinha (assim me contou o escritor Marcelo Mirisola, eu não vi e não vou ver o filme).

Quanto a Bruna, que é Raquel, e que chama Bruna de "a Criatura", como se fosse outra pessoa... também ainda não encontrou seu Cisne Cinza.


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