Everybody lies...


Trabalho. A cada dia penso em uma forma de distancia dele. E numa dessas reflexões, pensei... daqui a milhares de anos, as coisas nas quais nos transformaremos irão rir muito da forma como trabalhamos hoje. Seremos motivo de piada do tipo pré-histórica, ou piedade nostálgica. O que leva um dono de firma acreditar que seu fun-cionário trabalha 44 horas semanais?
E pior, o que leva alguém achar que isso é a vida?
Juro que procurei o Domênico de Masi, mas não consigo entender, por conta da minha total ignorância sociológica, se ele está teorizando, pensando mesmo no assunto ou se é uma espécie de Paulo Coelho da sociologia. Mas a expressão ócio criativo é filiada a esse cara (em italiano fica bem mais bonito e significativo...hehehe). Diz o signore: "...é necessário aprender que o trabalho não é tudo na vida e que existem outros grandes valores...". Mas eu ainda estou tentando insistir comigo mesmo que é necessário trabalhar!
Trabalhamos de forma primitiva, peças de uma engrenagem que funciona perfeitamente sem qualquer um de nós, trabalho sem nenhum sentido, ou com um único objetivo: dinheiro. O problema é antropofágico, canibalístico. Ganhamos dinheiro pra comprar roupa prá ir trabalhar, prá pagar viagem e esquecer do trabalho. Ou seja, o maldito ainda está no umbigo do mundo, quando deveria ser consequência é causa.
Bruno Gawryszewski, um autor interessantíssimo que descobri na internet em pleno momento de ócio em meu trabalho, fala muito no ócio oportunidade de consumo. Idéia bastante sagaz, já que tudo e todos são mercadoria. Bruno fala da visão cristã do ócio como algo ligado a pecado, pai de todos os vícios, preguiça, algo maléfico... cabeça vazia, oficina do diabo...
Em entrevistas para vagas de emprego (essas sim, um verdadeiro stand up comedy), se pergunta o que o candidato faz nas horas livres, ou o que gosta de fazer como lazer. Bem, fazer é verbo, é ação e tempo livre é o que sobrou, o resto. Eu gosto de fazer nada. Mas acredito que seria desclassificada de meu stand up se desse essa resposta. Então começa o show de mentiras, pilares que sustentam esse momento social, e com os quais nossas futuras gerações irão se divertir. Afinal, o gênio Dr. House já dizia: everybody lies...
Mas em qual tempo refletimos sobre o nada, sobre nossas necessidades psíquicas, sobre nossas vontades humanas, sobre nossas questões existenciais e sobre a cor daquela flor? E quem consegue ser feliz sem isso? Eu não.
A palavra ócio deriva do latim otium e significa o fruto das horas "livres", do descanso, uma ocupação prazeiroza. E que beleza tem a etimologia, ela, neste caso, nos leva a: liberdade, descanso, frutos, prazer.
Essa geração de donos de firma, viciados em trabalho e gente que professa essa, só tem dado gente estragada, desequilibrada, doente, cheia de verdade... ou seja, gente muito da chata! E pior, quando essa gente para, desliga... entra em curto.As famosas frases: não consigo ficar sem fazer nada, estou aqui para trabalhar, ele é vagabundo; são sintomas desse comportamento trabofóbico. São, em geral, pessoas muito limitadas em suas experiências subjetivas, e nem sabem disso. A vida é assim, mecânica assim. E isso é tão sério, que a maioria das pessoas acha normal trabalhar 44 horas por semana, 9 horas por dia em atividades obrigatórias... normal, é a vida. E até geram falsos sentidos para isso, esvaziados de experiência subjetiva, mas repletos de teorias de auto-ajuda. Aliás, não é a toa que nesta esfera do trabalho, se proliferam livros e autores de help yourself.
O fato é que criação escapa. Mesmo sufocada, escapa. Ela não tolera jaulas, grades, nem cartões de ponto. A arte resiste, insiste e tem "pressa" em mim.

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