Acabou o recreio...


Comentei com um amigo: que histeria coletiva... Mas não é não, engana. Isso não existe.

Quase terminando de ler Roudinesco (A parte obscura de nós mesmos) fica bem mais claro: isso é perversão.
E uma perversão estranha, ambígua, onde ambos os lados estão alienados em um objeto. A moça alienada no modelo equivocado e estereotipado de mulher e os moços que a levam diariamente para o banheiro, estranham sua presença no "real". E ela ri, como uma menina boba quando na TV a apresentadora lhe faz um elogio, um elogio aos seus cabelos, ao seu corpo, ao seu vestido. Sua cara se desfaz, transita entre a desgraça do preconceito e a felicidade idiota de um elogio vazio. O médico e o monstro... Enquanto lá na sala de aula, a garotada não consegue se expressar, nunca tinham sido solicitados a falar, emitir opinião, posicionar-se. Enrolam-se na língua. "Este vestido pode, esse não, ela não tem ética". O que pode e o que não pode? "A ... mereceu ser discriminada como foi porque ela levantou a saia... Ela estava provocando." (do blog Boteco Sujo)
"... o crime é cometido em nome  de uma norma racionalizada e não enquanto expressão de uma transgressão..." Eu não sei mas ainda acho que o problema não era a moça em si, mas o vestidinho vermelho pink, objeto de fetichismo ou de desejo de travestismo, sei lá. Freud: "apenas o acesso à cultura permite arrancar a humanidade de sua própria pulsão de destruição". Aqui cultura se diz civilizatória. Assim, me parece estar diante de dois grandes vácuos de inteligência: o loirão e a rapaziada. Difícil e penoso jogo de força na frágil corda. Abismos de civilização pretendida. Aff...
 
Ainda assim, como mulher o que mais me irrita é a reação das próprias mulheres.

Lendo a Cult desse mês, sobre o livro LTI: a linguagem do Terceiro Reich de Victor Klemperer: "o relato da organização dos gatos alemães, em que houve uma caça aos gatos que não eram puros, que pertenciam aos judeus". Hilário? Não vejo diferença.

"Dar cabo da perversão. Eis portanto, na atualidade, a nova utopia das sociedades democráticas globalizadas, pós modernas: suprimir o mal, o conflito, o destino, a desmedida, em prol de um ideal de gestão tranquila da vida orgânica." (Elisabeth R.) Mas e os dicursos perversos? Agente vê eles todos os dias, TV, programinha de humor com humorista pré-retardado, crônicas românticas de escritor visionário, múmia do moon-rá traçando helenas, venda de fé...

Não sei... ontem vi 2012 e estou procurando uma "arca" prá amarrar meu bode, bem longe de qualquer mulher tipo fruta exportação e de qualquer homem tipo "faço depilação e tomo o leitinho da vovó"...

Depois de Auschwitz, todos os termos que supostamente definiam o que é próprio do homem foram objeto de um sério questionamento.



11/11/2009 - 23h12

Garota de Ipanema apedrejada
"Falando em marketing: garanta sua vaga na Uniban, ela já vem com linchamento totalmente grátis!"
Márcia Denser
(artigo no site Congresso em Foco)

"Que geração é essa, num país cujo verdadeiro hino nacional já foi Garota de Ipanema, que hoje apedreja moralmente uma garota que vem e que passa com um vestido rosa que sequer era a minissaia inicialmente apontada pela imprensa? Que jovens são esses que abrem mão de todo o seu fundamento cultural, pra não dizer humano, em nome do quê mesmo? Dum diploma fajuto pendurado no rabo? Da Unibronco/Unitaliban/Uniesquina? A menos, é claro, que todos sejam viados... mesmo assim, não é desculpa (ainda que São Paulo tenha a maior parada gay do mundo, poderia explicar, não justificar) pra apedrejar moralmente quem quer que seja.

Leio no blog do Luís Nassif: “Temos hoje no Brasil mais de 1.200 faculdades de direito, contra 182 nos EUA e mais faculdades de medicina do que toda a Europa (!!!!!!!!!!!!!!!!). Estamos enganando os jovens e seus pais, formando falsos preparados para nada, uma legião de desempregados diplomados: na recente inscrição para emprego de garis no Rio, inscreveram-se 2 mil com curso superior. Esse tipo de estabelecimento existe por todo o Brasil. São universidades caça-níqueis, sem qualquer compromisso real com a educação, porque não são lideradas por educadores de verdade e sim por comerciantes para quem tanto faz escola como posto de gasolina.”

As melhores universidades norte-americanas e europeias não têm fins lucrativos, são fundacionais e rigorosamente avaliadas pelo corpo discente: ninguém investe o futuro dos filhos em estabelecimentos fajutos; nos EUA, é rara a boa universidade com menos de 70 anos de fundação, as grandes têm dois séculos. Na Europa, daí para mais.

Conforme informado pelo Congresso em Foco, já na segunda, 9/11, o deputado Ivan Valente (Psol–SP) e Angela Portela (PT-RR) apresentaram à Comissão de Educação e Cultura (CEC) requerimento de audiência pública exigindo explicações da Uniban sobre os motivos da expulsão da estudante em pauta, cogitando ainda a possibilidade de cassação da licença de ensino da “universidade”.

Mas não devíamos estranhar isso, uma vez que atualmente a Igreja católica condena a criança violada e não o violador, apenas lembrando o acontecido recentemente no Recife. São dois fatos ocorridos no interior dum mesmo contexto histórico-social mas que ressoam perfeitamente afinados com a presente dessolidarização em massa, com o elogio hipócrita da “moral e dos bons costumes”, e tudo isso para quem, cara pálida? Quem ganha com essa atitude neonazi-quakeróide?
Quem ganha com o progressivo e massivo acovardamento moral da sociedade? Com esse puritanismo neocon glacial, excludente e xenófobo, que não tem nada a ver com a cultura brasileira que vem e que passa (porque continua vindo e passando como essa estudante) seu doce balanço a caminho do mar? Hem?

By the way, Caetano Veloso: não ajuda nada ficar declarando que vai votar na Marina que “pelo menos não é analfabeta como o presidente Lula”. Assim você só atira no pé, santa. Se suicida antecipada e culturalmente para sempre. Requiescat in pace.

Idem, ibidem os alunos fascistóides da Uniban.

O fato de a Uniban ter voltado atrás na expulsão significa que o fez unicamente em razão de a repercussão negativa "no mercado" prejudicar o "marketing" da empresa, por temor às represálias jurídicas, sobretudo as do MEC, sem contar as policiais (Delegacia da Mulher) e da Justiça comum, e não por reconhecer ter tomado uma decisão errada. Falando em marketing: garanta sua vaga na Uniban, ela já vem com linchamento totalmente grátis!"


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O Fascismo e a Bunda
(artigo no blog do Nilo Oliveira)

"Agora que a poeira baixou e todo mundo já deu sua opinião sobre o assunto, também vou dar meu pitaco. Mesmo porque, este caso da mini-saia vaiada ilustra bem um post que escrevi aí embaixo, sobre o beco sem saída no qual se encontra, atualmente, a produção “artístico-cultural” brasileira.
Entre os intelectuais de plantão – os mesmos filósofos, psicanalistas, sociólogos e “genéricos” de sempre – a opinião foi uma só: chamar os linchadores de fascistas e defender o direito inalienável da menina de mostrar sua belíssima bunda. Até aí tudo bem. Em linhas gerais, até concordo com eles. O que me chama a atenção é que, entre estes mesmos intelectuais, estão alguns dos maiores críticos deste fenômeno – de dimensões planetárias, é bom frisar – ao qual, para efeito de análise (sem trocadilhos, por favor), chamarei aqui de “bundalização”.
Começarei dizendo uma coisa óbvia, um verdadeiro lugar comum, mas que ninguém considerou ao comentar o fato: há muito a liberdade sexual, quando vivenciada de forma “acintosa” – assim como o ato de exibir em público aquilo que nossos avós chamavam de “partes pudendas” – deixou de ter um caráter libertário, político, transgressor ou coisa que os valha. Muito pelo contrário: nos dias de hoje, mostrar a bunda é o caminho mais curto pra gente sem nenhum talento tornar-se, de uma hora pra outra, uma “celebridade” (fico até meio constrangido de escrever um troço tão batido e repisado).
Do sadomasoquismo marketeiro da Madonna aos constrangedores participantes do Big Brother; das dançarinas das bandas de axé à cachorrada do Funk carioca; da Bruna Surfistinha aos Rappers americanos, com seus clips lotados de coxas e rabos em estado de convulsão – enfim: é a esta fase proctológica que vive hoje a “indústria do entretenimento”, que denomino, singelamente, "bundalização”. (Existe também a possibilidade de se utilizar este conceito na sua forma adjetiva. Bundas-moles e caras-de-bunda é o que não faltam na imprensa, na música e na televisão brasileira.)
...
Pois bem.
Consta que a menina da mini-saia era, de certa forma, “famosa” na universidade em questão pela ousadia das suas roupas. Se isto for verdade, é certo que ela sabia – e ouso inferir, até gostava – do efeito que isto causava nos colegas (tesão, inveja, indignação ou seja lá que sentimento for). Não estou querendo defender os linchadores. Tampouco culpar a menina pela humilhação da qual foi vítima. Certamente ela não desejava ser chamada de puta por uma massa enfurecida. Muito menos ser expulsa da universidade. Mas, por outro lado, ela está longe de ser este símbolo da “liberdade" contra "o fascismo inerente à juventude atual”, como quiseram nos fazer crer TODOS os sujeitos que escreveram ou opinaram sobre esta história.
O que estou querendo mostrar é que esta menina (como existem muitas por aí) pode muito bem tratar-se apenas de um triste subproduto – uma expressão em escala reduzida – da “bundalização” cultural. Além do fato que, na pressa de defender a “liberdade de expressão” contra o “fascismo”, os articulistas e palpiteiros impediram, é verdade, que se cometesse uma injustiça – mas também colaboraram, inadvertidamente e de maneira decisiva, na criação da “celebribunda” da vez. Ou alguém duvida qual será o destino desta menina?
Uma puta história triste. Cuja principal vítima - como tem acontecido cada vez mais nos últimos tempos - foi a inteligência. Além da moça, lógico. Uma vítima dupla, tripla - e a coisa pro lado dela só tende a piorar (não financeiramente, é certo.)
Tristes tempos estes em que a beleza, porque vazia, tornou-se quase uma maldição.
Como disse no início, o fato em si pouco me interessa. O que me interessa é a forma como o fato foi tratado. Porque, tanto quanto certos aspectos do acontecido – muito me assusta a rapidez e a unanimidade das opiniões dos famigerados “especialistas”.
Todo linchamento é um ato de covardia. E o motor principal do linchamento é o agir sem pensar – coisa que se torna muito mais grave quando quem age desta forma são pessoas que vivem exatamente disto, de não ir pela maioria – de analisar com profundidade e a partir de vários pontos de vista determinado acontecimento.
E se o estopim do linchamento não se resumiu apenas à hipocrisia e a revolta mal direcionada? E se a coisa toda não se tratou, como foi dito, apenas da censura exagerada a uma questão de fundo moral? E se a vaia foi, isto sim, uma maneira extremamente inadequada (e isto não se discute) que alguns universitários – em meio à turba ignara – acharam de expressar seu saco cheio, seu repúdio contra esta bundalização generalizada, que veio lhes perseguir até mesmo no seu "ambiente de estudo"?

E se o fascismo estiver em outro lugar? E se a micro-saia – antes símbolo da liberação feminina - tiver se tornado (o horror!) uma expressão do fascismo cultural no qual nos encontramos, desta padronização perigosa e acéfala, onde cada vez mais os homens são resumidos a um tórax e as mulheres a uma bunda? E se o ato de mostrar a bunda, para quem queira ter sucesso seja lá no que for, ao invés de uma opção ou um direito, estiver se tornando - metaforicamente ou não - uma imposição?

O fato é que a vítima e os perseguidores são crias da mesma cultura lombar, este cirquinho de pequenos-grandes horrores onde a palavra e a inteligência ocupam cada vez menos espaço. O estúpido linchamento da “universitária da micro-saia” (como talvez seja chamada quando sair na capa da Playboy) começou muito antes de ser concretizado em forma de urros e ganidos. Mas como não deu no YouTube - pelo menos não de forma tão explícita - ninguém prestou atenção."


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