A ética de Salò, o Albergue e a Tarja Preta da Psicanálise

Pier Paolo, mestre, a cada vez que o vejo ou o ouço, meus pensamentos sofrem de amplidão contínua como um elástico. Em Salò, a alma da palavra e da imagem é a mesma do mesmo eterno sofrimento , a aniquilação do humano pela barbárie política. Pier Paolo era um homem político, mas do que qualquer um. e morreu por isso.

Ontem vi pela segunda vez Hostel do Tarantino. Americano é americano, pateta é pateta, mas Tarantino é um pateta com boa massa encefálica. Viu muito Pasolini antes de fazer o inteligentíssimo Albergue. Mas resolveu não abordar a política, e sim a barbárie e o desejo, possibilidade maior de diálogo para mim.
Em Salò e Hostel vi o mesmo paradigma humano: o desejo. O sexo, a exploração do que já não mais funciona como amparo, como calmaria das pulsões, o sono sem sonhos. Nesse mundinho real, no qual chafurdamos hoje, nada basta. E vez ou outra você ouve de alguém bem mais velho: qual a tua fantasia? Será que o tempo passou? Que conversa é essa de fantasia?

A minha fantasia é dormir junto, agarrada no teu corpo, é viver o dia a dia, é sobreviver a mim e a você, é fazer sexo e sentir na alma, é me apaixonar pela unha do seu dedão do pé e chupá-lo, é me encantar com os contornos do desenho do teu braço, até quando não sei mais.

Quando nada basta, é preciso arrancar um pedaço das mãos, cortar os dedos, queimar os mamilos, comer cocô, transformar a anarquia em orgia e o fascismo em sadomasoquismo, prá ainda ouvir um suspiro quente de alma viva. É preciso escrever sobre body parts... e tudo é body enought. Ou então, justificar como é pesado carregar um pau, como disse Calligaris, sem nenhum nexo com o sexo, só ladainha antiga de um homem pedindo desculpas por ter que ser quem é e carregar seu pau. (PQP!!! saí do teatro querendo vomitar, mas tudo bem, vale a admiração antiga). E ainda, o cara dos textos inteligentes, da compreensão do mundo, escrever peça de teatro... (Eva Hertz, teatro chic, direção sem norte, cenário sem sentido, ator perdido... triste, tentar ser tudo nessa vida. Parece até despedida, plantei, procriei e fiz uma peça prá justificar o que é ser homem, agora que não me encontro mais).

Adrenalina é uma menina doente, solidão não cura com aspirina, eu falo de amor, é foda..

Que saudade dos tempos em que Gerald Thomas criava Wagner x Nietzche... antes do alzheimer artístico, ou de ser engolido por si mesmo como um sagui na jaula de seu ego, antes de um bom psicanalista querer ser autor de teatro... Que saudade de Pier Paolo, que nem conheci, mas que consumo para consumo próprio, me desfalecendo de prazer enquanto fecho os olhos em uma cena de Hostel. Pasolini... o homem mais macho que eu conheço era gay! Saudosa da Bêra do Satyros, onde o teatro ACONTECE... do Complexo Sistema de Enfraquecimento da Alma, lindíssimo texto de Ruy Filho, das gargalhadas da velha apresentadora do Marcelo Mirisola... E viva a genialidade e a genitalidade de Pasolini, Tarantino, Mirisola e Ruy , e de Thomas e a psicanálise de Calligaris!

Teatro precisa afetar. Explicar o afeto é um equívoco, uma besteira.
Afetar é ficar sem ar porque o afeto preenche todos os espaços da respiração, que as vezes fica curta, outras pesada e longa, e de vez em quando falta.

... Continua, daqui, outro dia, agora é a vez do Clint Eastwood me falar sobre seu gran torino e sua impagável e poética-crítica da ética americanesca.


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