Antes que Anoiteça

Hoje falei de Arenas para um amigo romeno, ele me disse: Fidel está morrendo, e eu respondi: ainda não morreu.

O livro de Arenas é encantador, não lia algo tão interessante há muitos anos, desde Caio, nem me lembro. Comi o livro. Indigestão novamente, meu 4º herói foi morto. Arenas sempre escapa, quando a situação está pior do que se possa imaginar uma situação horrível, aparece alguém que o salva magicamente. Até que ponto a ficção se confunde com a realidade? Insisto que toda palavra é autobiográfica, mas Arenas a enfeita com plumas, talvez em excesso muitas vezes. Exacerbado instinto poético. Cuba parece até um balneário onde todos os homens são gays ou revolucionários, e a mulher ocupa o papel da bruxa das fantasias edipianas do autor. Enfim, Arenas enfeita o pavão, como todos. Mas o livro me trouxe recordações antigas, ligações profundas, raízes latinas eminentes, política por todos os poros e um entendimento do que seja o sexo que só aprendi bem recentemente: apenas diversão... Difícil de engolir mais essa, mas, é a natureza do escritor criado no mato gritando, pura natureza, bestial e instintiva, nada mais. Como poderia ser um anti-herói latinoamericano senão gay, meio mentiroso, amador de quantidades e covarde? além de genial, delicado e interessante?

E dizem por aí que Chico Buarque escreve sobre a alma feminina. Com excessão do que aprendi antes de poder entender sobre ele, não diz nada sobre a minha.

"...o compositor justifica-se afirmando que existe na sua geração, uma forte relação afetiva com a revolução de Castro, a ponto de considerar o ditador como “um exemplo de resistência”: “Ele é o único adversário dos Estados Unidos na América Latina que resistiu a golpes e assassinatos e ali está. Ele sobreviveu a vários atentados. Manteve e mantém até hoje uma posição altiva. E isso é algo que ninguém deve ignorar e que eu admiro”... “É claro que me desagrada a idéia de um partido único, das liberdades vigiadas, mas existe ao mesmo tempo a necessidade de um controle para manter os valores da revolução, que a meu ver são louváveis”. (1)

Onde está Chico agora? Talez em seu apartamento em Paris, ou casa de campo na mesma cidade, e quem quer saber? O que esse cara tem a dizer? Absolutamente nada. E o mundo continua a girar... rodamoinho, rodagigante, e o seu Chico já deve ter morrido, ou calado sua inquietação com algum conforto. Que fique lá, ou que vá para o Inferno, prá mim tanto faz...

Enquanto isso, Fidel não morreu, e O governo cubano segue violando todos os direitos", tais como "as liberdades de associação, de opinião, de expressão e de imprensa; a circulação das pessoas, o direito à informação; o direito de reunião ou de manifestação, assim como o direito de trabalhar livremente fora da tutela do Estado (praticamente o único empregador) e de organizar sindicatos ou partidos políticos", segundo o Le Monde em 2007. (2) Será que Chico leu, lá em Paris?

Por sorte, Arenas me apresentou todos o seu vasto círculo de amizade... e descobri Virgílio Piñera por Cabrera Infante em Tema do herói e da heroína (abril de 1980). Adoro esses títulos, tem gente que é especialista em causar impacto com os títulos de seus textos. E o impacto é tão grande que formam-se craterar na sua cabeça, antes mesmo de você entender que tudo era só um grande título. Não é o caso de Cabrera, assim como não é o caso de Marcelo Mirisola com o seu Azul do Filho Morto, fazendo o que Chico deixou de fazer, ou nunca fez, mas bem feito.

Mas, para o bem de todos e o pior para alguns, "os fatos não deixam de existir simplesmente por serem ignorados", como diz Aldous Huxleyem Diabos.

Levo comigo, de Arenas, o imponderável, o inesquecível... "era proibido entrar no mar. Por ordem do governo, só podiam ir à praia os trabalhadores sindicalizados, com mensalidade em dia.", sim o mar de Cuba foi estatizado. "Como viver numa ilha sem acessar o mar?" Como viver sem o mar? (3) Tanto mar, tanto mar... sei também quanto é preciso pá...navegar, navegar... Navegar é proibido.

EL JUSTO TIEMPO HUMANO
(Heberto Padilla)

Esta nocheme basta tu silenciosa presencia.
En mi cabeza turbada
tu poesía alumbra mejor que una lámpara
sobre mis círculos de miedo.
No me distraigo.
Tengo los ojos fijos en la negra ventana.
Pasan camiones con soldados,
gentes de las líneas de fuego.
En mi casa resuenan las consignas violetas.

(1) Chico Fanatizado Buarque por Ipojuca Pontes em 05 de janeiro de 2005.
(2) Em Cuba, Raul Castro muda os métodos repressivos do regime, por Paulo A. Paranaguá Le Monde – 13 jan 2007.
(3) página 260 de Antes que Anoiteça de Reinal Arenas.
foto de um artista amante de Cuba: Cristian Buzneanu, Elbus, Romênia.

Comentários

Anônimo disse…
vc tá escrevendo diferente... mas é bom, mas é estranho... mas é bom, bem bom
Anônimo disse…
ah... tambem acho esse chico um fajuto

Postagens mais visitadas