Silêncio

p/ um bom músico cego

"A dor, quando dói mesmo, é estéril. Ou seja, a dor no seu limite de tolerância, não gera poema, nem obras plásticas, nem música. Sua única e fundamental expressão é o grito, e depois, o silêncio. O silêncio diante daqueles que gritam."
Ferreira Gullar

Gritei, gritei tanto que fiquei sem voz
Teu silêncio me enlouqueceu, ensurdecedor
e a melodia dessa música nunca mais vai parar de tocar
te dei o que podia de mim te dar
me dei a você, por que me afetou muito sua presença
só gostava... isso te machuca, só gostar, mais nada?
me encheu de afeto, gerou um feto
e ainda acordo no meio da noite
abraçando o travesseiro, contando os cachos
ouvindo risadas, conversas, músicas...
procurando a última página do livro que você arrancou

há feridas que não cicatrizam
há cicatrizes que doem mais do que as feridas
porque deixam marcas, muitas marcas

Não queria te magoar, não queria nada que não fizemos e que não quisemos juntos
não queria nada disso, não queria isso, não queria aquilo, mas quis você
como quis... seu cheiro, seu gosto, seu jeito confuso
Por isso não entendo, não sei quem é você, e eu depois
não sei mais quem sou eu
viver, andar e comer como se estivesse mesmo viva
e só respiro em carne viva
sou um vaso quebrado que perdeu um pedaço
cacos espalhados

Assim, as violência reina no território do silêncio
Nada poderia me machucar mais
As marcas do corpo são díspares das marcas da alma. As marcas do corpo podem desaparecer, cicatrizar, enquanto a alma já as absorveu e alojou em lugares de um eterno retorno.

Você tem a eternidade, eu a espera
A espera é uma dor que corrói, penetra profundamente como um invasor, de fora não se vê, de dentro grita.

Não passe a vida desmentindo o que é, escondendo-se em sua máscara de idiota, você não é idiota.
Eu te espero.
Sinceramente, me desculpe pelo que eu não sei que fiz
é como sentir saudade de alguém que morreu antes de você conhecer, mas que te habitou o suficiente para você sentir sua presença
eu sei como é estar absolutamente sozinha e como é sentir dor, e como é sentir outra vida crescendo e sei como é vê-la morrendo

"será maior a tua dor que daquele gato que viste a espinha quebrada a pau arrastando-se a berrar pela sarjeta sem ao menos poder morrer?"
Ferreira Gullar

um dia encontrará este gato, vai olhar nos olhos dele e ver os olhos do demônio, e nunca mais esquecerá a sua cor, nunca mais...

(texto de Paulo Endo, que foi modificado pois fez tanto sentido, em sentidos diferentes.)

Comentários

Guto Oliveira disse…
Nina, o texto é lindo, as citações de Gullar, perfeitas. Gostamos muito, eu e a minha dor. Beijos.

http://quasepoema.zip.net

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